Eu gosto bastante do filme, é um dos meus preferidos do Ghibli, na real. Eu não acho um filme tão difícil de apreciar sem o contexto biográfico e conhecimento da mistura com o livro do Hori Tatsuo ou referências à Montanha Mágica, até por causa da quantidade camadas em que ele pode ser apreciado. Da qualidade da animação e enredo à sonoplastia. Acho os temas sobre mudança e sonhos bastante universais e assisti com pessoas que nem anime veem que gostaram bastante pura e simplesmente porque se envolveram com os personagens e seus dramas humanos. Dito isso, Kaze Tachinu definitivamente é mais do que só a superfície dos fatos narrados.
Antes de comentar mais sobre essas camadas extras, vou citar brevemente outros aspectos mais diretos que me agradam, já que está virando um dos meus antigos textões:
A trilha sonora tem o altíssimo nível das outras do Hisaishi. É feita para ser ouvida de fato, agregando e complementando as emoções que a imagem e o texto tentam comunicar. Algo que animes no geral fazem muito bem em comparação ao cinema blockbuster hollywoodiano, que é bem preguiçoso nessa frente e se atém a temas genéricos e bem parecidos, se apoiando em temp music. Minha música preferida do filme:
https://www.youtube.com/watch?v=JGQWVVY8Dmk
Gosto da insistência do Miyazaki em utilizar voice actors não profissionais. Acho uma decisão acertada pro tipo de filme que ele faz, onde os personagens são intencionados a representarem pessoas reais em vez de estereótipos (termo que não uso pejorativamente). É uma abordagem bem funcional que tem diversas histórias de sucesso, como o Cidade de Deus do Meirelles, que além da ótima performance dos protagonistas, tem para mim os atores infantis mais convincentes que tive contato no cinema. A naturalidade da entonação do Hideaki Anno e sua forma de falar são de certa raridade, visto que usualmente personagens de ficção (em especial de anime) conversam de forma muito diferente de pessoas reais. Fica fácil afirmar que os filmes do diretor não são só originais na forma em que se apresentam, mas também em como soam. Destaque para o uso dos efeitos sonoros pelos artistas foley, que em vez de usar capturas mais realistas, fazem os sons com a boca, criando cenas bem memoráveis visual e auralmente. Essa sequência é minha representação preferida de um terremoto na animação e a primeira que me vem à mente, mesmo com tanto anime sobre o assunto:
Toda vez que reassisto, mais coisas encontro que agregam significado e tornam minha relação com o filme mais impactante. É um nível de atenção aos detalhes e consistência temática já esperado dos filmes do Miyazaki, que como todo bom diretor, sabe usar cada elemento da mídia que trabalha para contar a história. O vento, quase personificado, vem anunciar mudança, seja na forma de adversidade ou catástrofes, seja para unir os personagens através de coisas mundanas. Um chapéu que o protagonista perde, um guarda-sol que voa até ele, um avião de papel. É uma força representativa de mudança que tem tanto potencial construtivo quanto destrutivo, rompendo as asas de aeronaves que enfrentam sua resistência ou permitindo voar as que conseguirem se utilizar dele. Nesse contexto, os sonhos de cada indivíduo são diretamente atravessados por essa mesma força. Jiro é alguém apaixonado pela ideia de construir algo belo em um contexto onde sua criação pode ser considerada, nas palavras do Caproni imaginário, um sonho amaldiçoado. No entanto, é justamente esse contexto amaldiçoado que permite a realização do seu objetivo. A união, assim, dos dois principais elos temáticos do filme a meu ver (sonho e mudança), se manifesta na forma do constante conflito. "O vento se ergue, precisamos tentar viver." Completo: A aeronave se mantém no ar graças ao vento ou apesar dele?