Parece esquisito, mas fiquei confuso de onde colocar minha opinião de Shirobako. Enquanto escrevia, notei que não é uma análise só de Shirobako em si...
É uma avaliação mista de como ele erra onde outros já acertaram e, assim, seria impossível falar só de Shirobako e não falar do P.A., da indústria anímica, e dos lugares onde o P.A. vai sucatear inspiração. Acho que essa minha confusão era o esperado de uma análise sobre um anime que fala de animes.
Pra mim Shirobako é raso e por tentar nadar no raso, morre na praia... Mas dito isso, onde estão os erros?
Primeiro, vamos olhar pra premissa. Esse é um anime que se propõe a falar sobre animação, mas a questão é...
Até onde o processo de fazer animes é segredo? Bem... Não é. É a mesma lógica usada desde o Gato Félix ou antes, com seu toque inevitável de avanço tecnológico, na implementação de 3D ou animação digital. Dito isso, Shirobako faz, como esperado e até por obrigação, um bom trabalho em mostrar esses detalhes comuns e questões de prazo ou funções de cada um na empresa, informação que nem todo mundo tem. Mas de algum modo eu sinto que o conteúdo é fraco, e não me faz achar que o estúdio está tão interessado em realidade ou em me interessar nos desafios dos personagens... Mas por quê? Provavelmente porque falham na técnica.
Bem, em primeiro lugar, o tom da obra está bagunçado. Dos vários caminhos de estrutura possíveis, Shirobako opta ser uma comédia que não liga tanto pra realismo desde que a piada seja boa. Com isso eles abrem a possibilidade de brincar com a metalinguagem e com referências, a exemplo, as cenas de corrida que mimetizam Initial D, uma série popular, mas que também é uma piada velha, recorrente em vários animes. Em suma, não é original até que eles estabeleçam que farão mais piadas desse tipo quando tiverem chance, eles fazem isso? Não.
- E alguém fez isso direito?
- Sim! Vários.
Embora não sejam animes sobre FAZER anime, esse tipo de estrutura de comédia metalinguística com que Shirobako flerta foi bem feito em:
Seitokai No Ichizon (Deen)
Kami Nomi Zo Shiru Sekai (Manglobe)
Binbougami Ga! (Sunrise)
Outras estruturas de roteiro, essas de minha preferência e dessa vez de fato sobre a indústria seriam:
Bakuman (O Mangá, porque não vi o anime) – Estrutura dramática, focada em amadurecimento dos personagens. É de minha preferência por focar no funcionamento da indústria do ponto de vista de profissionais e em como ela se relaciona com a vida dos protagonistas, mostrando que na realidade fazer mangás, principalmente de forma original, não é algo tão simples quanto se possa imaginar, mas que pode ser recompensador de formas diversas.
Otaku No Vídeo (Gainax) – Estrutura de Documentário – Ele brinca com metalinguagem, tem uma história, é divertido e apresenta o sonho de se tornar animador tal como num documentário.
- Tá, e daí? Shirobako não quer brincar com mudança de arte, nem ser documentário, e menos ainda ser uma obra sobre amadurecimento. O troço de Initial D e outros são só piadas pra quem conhece, e o que a obra quer é expor os problemas de se fazer anime de uma forma divertida.
- Mesmo? Então vamos a outro problema de tom, a diferença entre os pontos de vista de adulto e de criança.
Pra mim os melhores momentos de Shirobako são os em que a história fica do ponto de vista de um adulto. É quando dá pra levar o anime a sério. Lembro de um episódio que trouxe a discussão anciã de se animes devem ser feitos usando 3D ou puramente em 2D. Embora um assunto bobo, é algo que eu realmente vejo nesse meio. Há colegas meus que preferem resolver tudo no 3D e outros que acham o 2D melhor. Tocaram numa discussão real e apresentaram pontos de vista de adultos. É um dos tons possíveis pra se discutir animação a sério, mostrar um embate real.
Mas o que esses personagens tem a desenvolver? Pouco, são adultos de cabeça formada, e por isso o foco volta logo ao ponto de vista das garotas, onde está a verdadeira preocupação do P.A., evidenciada no episódio 2, onde o diretor pede que uma cena inteira seja redesenhada porque não estava satisfeito. E porque não estava? Porque cada pessoa tinha uma visão diferente da personagem. É outro problema real, que podia ser levado a sério, mas a grande resposta que o anime mostra de como melhorar o personagem é... Moe.
Resumindo, o cara tava insatisfeito porque a cena não tinha moe o bastante, com os próprios personagens do anime comentando, “moe está morto”.
“Moe está morto”, a verdade é que essa é a grande preocupação do P.A. E é assim que ele justifica todas as escolhas do anime.
Eis o tom real da obra que estávamos buscando e o motivo do P.A. sucatear tanto a KYOANI em quase tudo que faz. Eles querem fazer bons animes e eles acham que bons animes são animes com moe. Aparentemente, ninguém faz moe oldschool melhor do que a KYOANI. Resultado? Eles ligam o foda-se pro tom da obra e encaixam as garotas só pra ter esse “moe”, e um appeal aos fãs. E por que não? Afinal deu certo em K-ON, deu certo em Hibike, e certamente vai continuar dando certo em tudo que a KYOANI escolhe fazer, pois eles têm o domínio técnico. Mas será que o P.A. tem? É só olhar pros animes dos dois estúdios, e fica fácil entender porque um é considerado um dos melhores do Japão mesmo canibalizando seu próprio traço em quase todo anime recente, e o outro é só um estúdio que às vezes lança algo interessante.
Já vi várias vezes o comentário “o KYOANI é um estúdio template”, e eu concordo, em termos de traço, eles têm inovado 0% em relação aos seus trabalhos anteriores. Mas eles vêm expandindo em outros lugares, e nunca deixam a peteca da qualidade de animação e direção cair. Então há sim progresso na KYOANI, e quem a impede de fazer um traço original é só a própria. Eles acertam na trilha sonora, eles acertam nas câmeras... Cara, eles acertam na silhueta dos personagens! Onde mais eu vi isso funcionar tão bem?
Eu tenho certeza que qualquer um que viu esse anime com interesse consegue identificar cada silhueta nessa imagem.
Depois pretendo fazer uma análise sobre a linguagem corporal em Hibike, que é sensacional, mas a diferença começa aí. De um lado, a KYOANI escolhe fazer o moe oldschool, e usa isso pra inovar A LINGUAGEM, acrescentando defeitos de câmera, foco, câmeras que parecem ser seguradas à mão, e planos detalhe só das pernas das personagens (deixo pra falar disso depois também). Já o P.A. só imita o traço e alguns elementos mais óbvios do moe que eles identificam na KYOANI. Acabam fazendo um anime que fica em cima do muro, tentando ser ao mesmo tempo: Moe, sério, metalinguístico, e cômico, mas não conseguindo ser excepcional em nenhum dos casos.
No fim das contas me parece que só o que entreteve tanto o pessoal em Shirobako, foi o fato do anime falar de algo que todos gostamos, animes. E de ter personagens adultos. Os adultos são o único momento em que o anime funciona a sério, e a regra só vale pros personagens que se comportam como adultos de verdade.
Enfim, eis os meus problemas com o título e esclareço que não desgosto de todo do anime, e que ele tem seus bons momentos, mas não passa nem perto de ser tudo que o pessoal acha que é, menos ainda em termos de inovação. Basicamente, penso que se o P.A. tem a mínima intenção de ser um estúdio decente e quer mostrar que ama a animação japonesa e até o moe à moda antiga, devia encontrar sua própria forma de fazer animação e abandonar o limitador chamado KYOANI que eles se impuseram. Só depois deviam falar sobre algo que sequer fazem bem.