Eu conheço Zatoichi a bastante tempo, sei o que e quem é Zatoichi, mas até só tinha assistido aquele filme do Kitano de 2003. Em 2017 decidi assistir mais filmes da série, os originais. Escolhi um aleatório para assistir, Zatoichi On the Road, o quinto acho, já em cores.
Naquele filme uma mulher fica meio apaixonada pelo Zatoichi e quer ficar com ele, e o Zatoichi resiste e acaba indo embora sozinho.
Agora que eu comecei a assistir os filmes da série de verdade vejo que isso é uma constante, o que me faz pensar que o Zatoichi é o "Didi Mocó samurai", o anti-herói que tem uma vitória ambígua e termina indo embora sem a mulher.
Zatoichi e O Conto de Zatoichi Continua (1962, Kenji Misumi e Kazuo Mori)
É uma série sobre um mesmo personagem e suas aventuras, então naturalmente os filmes estão mais ou menos interligados, personagens e eventos de filmes anteriores podem ser relevantes. Quanto disso terá nos outros filmes eu não sei, mas esses dois primeiros filmes estão bem interligados, são uma história só.
O primeiro filme começa apresentando Zatoichi de modo excelente.
Ele chega em um estabelecimento para dar um alô para o dono, que ele conheceu em suas andanças, para ver se ele pode conseguir algo ali. O dono não está e ele é levado para esperar do lado de dentro, na mesma sala onde os funcionários do lugar sem mais o que fazer estão apostando. O Zatoichi pede para entrar no jogo e sem demora passar a perna neles e leva todo o dinheiro.
Ele "trapaceia de modo honesto", a princípio ele joga os dados errado e permite que os outros sacaneiem ele. Todos não perdem a oportunidade de lucrar em cima do cego, e aproveitando essa ganância e malícia contra ele o Zatoichi os induz a pensar que eles terão outra oportunidade de enganá-lo quando na verdade ele jogou os dados corretamente da segunda vez.
Esse início deixa claro que o Zatoichi não é um mocinho, e que ele sabe muito bem como funciona o submundo do crime, que se sente a vontade de entrar naquele mundo porque é totalmente capaz de se defender. Também mostra que apesar de o Zatoichi ser honesto ele não é um santo, quem sacanear com ele será alvo da sua irá, porque o Zatoichi é vingativo.
Apesar disso o Zatoichi não é um cínico e deseja ter interações e relacionamentos honestos com as pessoas, ele presta bastante atenção e cuida das pessoas boas e honestas que encontra. Aliais, essa arte de gente decente com moral é o que atrai as mulheres para ele. Cercadas de bandidos não é surpresa que elas acabem gostando do Zatoichi mesmo sendo cego.
Outra constante do Zatoichi é que quando os bandidos descobrem que ele é um espadachim habilidoso eles compram seus serviços para enfrentar outras gangues. O Zatoichi é um mercenário e se não tiver outro jeito ele matar os vermes sem remorso, o problema é que as vezes isso coloca ele contra outros espadachins decentes que ele admira, como acontece no primeiro filme.
Apesar dos esforços ele não consegue evitar lutar e matar contra um amigo e acaba o filme cheio de remorosos. O segundo filme mostra o Zatoichi cumprindo a promessa de visitar o túmulo desse amigo um ano depois, o que dá oportunidade para os bandidos que ele destratou de emboscá-lo, com algumas surpresas no caminho. O que acontece nesse filme é ainda mais trágico do que o que aconteceu no final do primeiro filme e mostra mais como o Zatoichi não é um mocinho, como ele é um ser humano complexo lutando contra seus demônios, grandes demônios. Ele é alguém que foi capaz de tentar matar a própria família.
Ambos os filmes são belamente dirigidos e fotografados, sem sensação de qualquer desperdício nas cenas e imagens muito bonitas com atuações convincentes.
Os dois filmes também terminam com imagens fortes.
O primeiro filme termina depois de vermos o Zatoichi irado gritando com os olhos abertos, o que faz ele ter um ar assustador.
O final do segundo filme... consegue ser tão ou mais impactante.
Excelente, espero que todos os filmes consegua manter um bom nível.